Fascínios, inquietações e sobressaltos nas relações entre homens e mulheres. Como elas os vêem. Como eles tantas vezes, as mais das vezes, se enganam. Os amores juvenis e os amores tardios. As tentações a pedirem transgressão e os pecados, veniais, sempre à espreita, entre olhares que se advinham e jogos que se desvendam. Numa prosa depurada, Mário de Carvalho, uma das vozes mais importantes da nossa literatura contemporânea, regressa à novela e ao conto, num livro que pede total absolvição.
Fascínios, inquietações e sobressaltos nas relações entre homens e mulheres. Como elas os vêem. Como eles tantas vezes, as mais das vezes, se enganam. Os amores juvenis e os amores tardios. As tentações a pedirem transgressão e os pecados, veniais, sempre à espreita, entre olhares que se advinham e jogos que se desvendam. Numa prosa depurada, Mário de Carvalho, uma das vozes mais importantes da nossa literatura contemporânea, regressa à novela e ao conto, num livro que pede total absolvição.
Reconhecido como um dos mais importantes escritores portugueses da actualidade, a sua faceta de cronista passou despercebida à maior parte dos leitores; daí esta selecção das suas melhores crónicas publicadas nas décadas de oitenta e noventa do século passado no Público e no Jornal de Letras. Delas emergem o ficcionista, o cidadão, o comunicador e o memorialista, em textos que alguns diriam proféticos e, nas palavras de Francisco Belard: «testemunhos de um largo campo de assuntos, abordagens, dimensões e estilos, através de eras e lugares, sinais de um escritor que declaradamente prefere viajar no discurso e decurso do tempo e do espaço doméstico a fazê-lo em itinerários geográficos, programados e turísticos. Por tudo isto […], os leitores dos romances o vão reencontrar em mudáveis cenários e perspectivas, de outros pontos de vista, na familiaridade e na estranheza diante do seu mundo, que faz nosso.»
Um marido recalcitrante ludibriado pela mulher defunta; um casal num jantar de amigos, elas amigas íntimas dele; um recém-viúvo percorrendo a lista das suas conquistas mais assíduas, dois homens de meia-idade rememorando no luxo das suas casas os tempos de jovens revolucionários; doutores, engenheiros, administradores em tensão, todos em certa vivenda às Avenidas Novas, banco de grandes investimentos; uma enfermaria de hospital; cortejo e exéquias; engates de esquina; os filhos dos outros; traições e uma vingança sórdida; retalhos de vida, de uma sociedade, de um Portugal desencantado, sob o olhar sempre irónico de Mário de Carvalho.
Cronovelema: primeiro, o tempo, chronos, os dias de hoje, mais coisa, menos coisa. Depois, tudo o que se acarta para a construção destas ficções e também se encontra ao escandir o vocábulo. Lá ressalta o novo e, logo, a novela.
De um lado, um jovem casal desavindo, a viver para as bandas do Lumiar e frequentador de certa Avenida de Roma, pondera sobre qual o destino a dar à tartaruga doméstica. O animal, sem nome, preguiça num aquário e a solução tarda, bem como o desenlace da dupla, a braços com o final iminente da relação.
Do outro lado, dois gandulos planeiam, estendem a rede e montam a urdidura.
Mas eis que o destino se intromete, hábil a turvar os planos e rasteirar os desígnios… e, claro, convém não esquecer o diabo, sempre atrás da porta, vigilante, dizem que até a rezar.
Um livro a várias vozes, sobre uma viagem por mar, num navio que é em si o resumo do mundo e também sobre a obsessão do narrador pela vaga e indefinida Cidade de Tebas. Esta é um lugar mítico, sombrio, guardada ao alto por cem torres, onde decorre um permanente cerco e onde todos os movimentos são circulares. Duas mulheres: Mariana, que espera eternamente junto de uma lareira e Magda, que sobe eternamente umas escadas.
Quatrocentos mil sestércios. Uma dívida por cobrar. Um filho de centurião numa demanda pelas carreteiras dessa Lusitânia, cada ventura desfiando sua desventura, e a deusa Fortuna de guarda às peripécias deste pobre cidadão romano. As Cruzadas. Um cavaleiro regressa da Mourama. Uma promessa por cumprir, uma nubente amarga que exige desafronta, e a deusa Fortuna que não recompensa os audazes. Os últimos tempos do Marcelismo. Um jovem revolucionário num périplo nocturno por Lisboa. Toda uma cidade de conluio com a polícia política para o apanhar, e a deusa Fortuna que falha ao encontro em certo dia de Abril.
Eis um livro de ficção sobre sexo. Todas as histórias nele contidas narram percalços, espantos e sobressaltos de ligações íntimas entre homens e mulheres. O que se desvenda, o que se oculta. Rasgos perversos. Permanências e ruturas. Nem sempre se encontra o que se espera, nem se espera o que se encontra. A variedade é avassaladora. A diferença inevitável. Neste jogo de corpos enlaçados, não poucas leitoras ficarão admiradas com certo olhar masculino. Talvez passem a conhecer ainda melhor outras mulheres. E os leitores também não perdem nada em saber o que pode surpreendê-los nas voltas do mundo.
Romance histórico, decorrido no Séc. XVIII, conta a história de um jovem nobre que, pela sua conduta, é desterrado pelo Marquês de Pombal para uma praça do Norte de Portugal. Esta praça longínqua, abandonada e sem qualquer valor estratégico, é invadida durante a Guerra dos Sete Anos. Contra todas as expectativas, o jovem Conde de Fróis resolve defender valorosamente aquela fortaleza.
Na casa da sua irmã Marta, perto da Lagoa Moura, um cineasta reequaciona a sua vida falhada e relembra a sua história de amor com Maria Alfreda. Uma história de paixão inconclusa, um encontro tornado desencontro, onde nenhum se converteu ao outro e que se tornou numa cicatriz na memória.
Num monte alentejano, à beira de uma piscina, dois coronéis que serviram no Ultramar comentam o Portugal contemporâneo. Juntam-se a eles as suas duas mulheres, em tudo contrárias entre si e um jovem vedor de água, também jogador de xadrez, que percorre velhos caminhos no seu automóvel. Um mocho e um melro vão assistindo e comentando o que se passa.
Ser escritor. O texto ficcional. Dilemas, enigmas e perplexidades do ofício. No vale das contrariedades. Nada do que parece é. O «assertivismo» é um charlatanismo. A valsa dança-se aos pares: escrita e leitura, autor e leitor, personagem e acção, causalidade e verosimilhança, contar e mostrar, o dentro e o fora, a superfície e o fundo. O bico-de-obra do primeiro livro. Por onde começar? Com que começar? Com quem começar? A manutenção do interesse. Não há regra sem senão; não há bela sem razão. Ou o oposto. Riscos, cautelas e relutâncias.
Estes contos são vagabundos porque não param de caminhar, percorrem as estradas do arco-da-velha, deambulam pelos recantos mais sombrios, mas também surgem à claridade do dia, marcham alegremente e intrometem-se, com ironia, nas tramas do nosso quotidiano. Pelo caminho, vão deixando o mundo às avessas, interpelando o leitor e desafiando-o para a aventura e para as perplexidades da vida e da literatura.
O demónio também faz por aqui as suas andanças. Insiste em pôr-nos um espelho na frente.
Depois do novo chefe o remeter a um gabinete sem importância, Joel Strosse Neves resgata as suas ideologias políticas de juventude e decide aderir ao Partido Comunista Português. Todavia depara com os maiores obstáculos que o impedem de concretizar esta ideia. No entretanto, conhece Eduarda Galvão, uma jovem jornalista decidida, ignorante, pérfida, dona de um oportunismo capaz de tudo.
O Beco das Sardinheiras é um beco como outro qualquer, encafuado na parte velha de Lisboa. Uns dizem que é de Alfama, outros que é já da Mouraria e sustentam as suas opiniões com sólidos argumentos topográficos, abonados pela doutrina de olisiponenses egrégios. Eu, por mim, não me pronuncio. Tenho ideia de que ali é mais Alfama, mas não ficaria muito escarmentado se me provassem que afinal é Mouraria. Creio que o nome lhe vem das sardinheiras que exibem um carmesim vistoso durante todo o ano, plantadas num canteiro que rompe logo à esquina, não longe da drogaria que já fica na Rua dos Eléctricos. A gente que habita o Beco é como as demais, nem boa nem má. Tem sobre os outros lisboetas um apego ainda maior ao seu sítio e às suas coisas. Desde há muito tempo que não há memória de que algum dos do Beco tenha emigrado de livre vontade.
Um homem é incumbido de transportar uma estranha caixa contendo uma cabeça. Um excelso professor vê-se condenado a passar o resto dos seus dias numa prisão deveras invulgar. A história por detrás da internacionalização de uma das maravilhas culinárias de Portugal. Quatro professores reformados que o destino uniu num jardim municipal decidem aliar as suas bibliotecas. Um frequentador assíduo do metro calha em faltar com a sua palavra, despertando a indignação de um dos funcionários. Um comandante da Marinha incapaz de aceitar um não. As memórias da iniciação sexual de um jovem, num tempo em que os tios tornavam a seu cargo essa tarefa. Sete contos. Sete histórias que representam a multiplicidade de registos na escrita inigualável de Mário de Carvalho.
No reinado de Marco Aurélio surgem bizarros sinais de decadência. Lúcio Valério Quíncio, magistrado de Tarcisis, cidade romana da Lusitânia no século II d.C, enfrenta uma série de ameaças. Uma delas, uma estranha seita, a Congregação do Peixe, que adora um único Deus, dirigida pela mulher que ele ama sem saber, põe em causa os valores de Roma. No entanto, Lúcio Valério Quíncio não prescinde nunca dos ditames da sua consciência.
Um canhão assombrando uma cidade. Um patíbulo armando de noite. Um istmo que conduz a uma cratera. Uma diligência cercada por cães selvagens. Nuvens de grifos imundos sobre o mar. A batalha sangrenta dos pescadores. Uma galeria de anarquistas, mais nobres que plebeus. A casa de Madame Ricciarda. A casa de Madame Musette. Dois jesuítas. Um padre que toca violoncelo. Um navio que não chega mais. Uma opereta com ecos de tragédia. Sol, luz, névoa e lua. Oito mulheres, amores, duplos, triplos e quádruplos. De como a vida engana a morte. Ou o inverso. Porque há em gente pacata uma apetência de morte tão grande? Porque é que nunca se regressa daquela viagem? Porque é que aquele navio não chega? Porque é que aquele canhão jamais dispara?
Numa antiguidade oriental vagamente romanizada, algumas personagens, bem instaladas na vida , reclinadas num terraço, gozam o seu ócio e a sua relativa prosperidade. De repente acontece qualquer coisa no palácio do Imperador que os atemoriza, enche de dúvidas e desespero. Tudo se subverte.
Contos de paz e de guerra, de resistência e encantamento, de generosidade e de crueldade, de absurdo e demência.
História de uma burla, cujo alvo é um velho endinheirado. Um grupo de vadios, que vivem de expedientes e negócios pouco claros, procura formas de ficar com o dinheiro do velho. Também as próprias filhas, estas da pequena burguesia, ambicionam a suposta fortuna do pai.
A arte de morrer longe conta a história de um jovem casal de classe média que não se entende e que se vai divorciar. No processo de partilhas surge um problema: quem é que irá ficar com a tartaruga? O que leva a que o processo se arraste e contribui para o seu desfecho.
Uma novela passada no tempo da Roma Imperial em que diversas personagens se debatem, em episódios burlescos por causa de uma pequena fortuna, seguida de uma balada melancólica, decorrida numa idade Média mágica, onde ressurge um amor demencial e cruel.
Há rumores de que anda um tigre à solta num prédio suburbano. Os vizinhos assustam-se. Ouvem-se estranhos sinais que ninguém consegue decifrar na parede de uma prisão em certo país burlesco.
Folhetim saído semanalmente no Diário de Notícias entre Outubro e Maio de 1986, em colaboração com a escritora Clara Pinto Correia. Cada capítulo foi escrito por um dos autores sem prévia consulta ao outro. Os capítulos terminam deixando as personagens numa situação embaraçosa. História mirabolante que percorre territórios e tempos de fantasia que fazem lembrar os dias de hoje.
No Beco das Sardinheiras tudo pode acontecer. O que está em cima é igual ao que está em baixo, o que é estreito pode ser largo, o que é pequeno é grande também. É uma permanente alegria - olhem os desenhos de Pierre Pratt - de uma rua em festa que entende que nunca, mas nunca, se deve confundir género humano com Manuel Germano.
Nos últimos tempos do Marcelismo um jovem passa uma noite em branco, procurando desesperadamente escapar à polícia política.
Textos extraídos do livro Contos da Sétima Esfera.
A Rapariga de Varsóvia, O Sentido da Epopeia e O Desencontro, reflexões sobre um quotidiano em transformação, na vida familiar, nas velhas amizades, nos relacionamentos mal resolvidos.
Contos sobre equívocos, escritores, e um basilisco.
Pequenos textos que encerram uma perplexidade, um espanto, ou o apelo a uma sabedoria antiga.
De origem alentejana, Mário Costa Martins de Carvalho nasceu em Lisboa, na maternidade Alfredo da Costa em Setembro de 1944. Após uma breve passagem por Setúbal, a família instalou-se definitivamente na capital onde o seu pai foi um agente comercial bem-sucedido.
As frequentes deslocações a Alvalade onde tinha família, na própria vila e numa herdade próxima, o Monte da Vinha, deixaram-lhe a viva memória desse Alentejo da infância. E, bem assim, das situações de miséria e humilhação presenciadas nos tempos em que os camponeses trabalhavam de Sol a Sol e as forças policiais procediam como num país ocupado.
A avó um dia mostrou-lhe um poço em que estiveram escondidos dentro de um saco de lona os livros de seu pai, na ocasião em que ele foi preso pela polícia política, ainda solteiro. Nessa altura, contaram-lhe mais tarde, seu pai e os companheiros de prisão foram brutalmente espancados.
Aprendeu a ler antes dos cinco anos, ensinado pela mãe, com a ajuda da «Cartilha Maternal» de João de Deus. Descobriu, nesses tempos, colecções d’ «O Mosquito», do «Capitão Morgan», e «Texas Jack» deixadas pelos familiares que já tinham crescido. Ainda não haviam chegado os tempos de «o Cavaleiro Andante» e «O Mundo de Aventuras». Mas Tintim anunciava-se com um comparsa chamado Capitão Rosa, um cão chamado Ron-rom e um amigo distraído, conhecido por Professor Pintadinho de Branco. Foi durante umas férias em Alvalade que o pai lhe trouxe um exemplar de «As Aventuras de Tom Sawyer» da Biblioteca dos Rapazes. Seguir-se-iam «A Ilha do Tesouro» de Stevenson e «A Ilha de Coral» de Ballantyne.
Morou, durante anos, à Penha de França, na Rua das Enfermeiras da Grande Guerra, larga e íngreme, que há-de aparecer mais tarde nos seus textos, de forma mais ou menos transfigurada. Lisboa, brilhante e plurifaceta, será, a par do Alentejo, uma presença deslumbrada nas suas obras. Passou por um estranho colégio particular em que as professoras gritavam e davam reguadas. Aos sábados aparecia um capitão doutrinador, regurgitando Deus, Pátria e Família. O Externato «Martim de Freitas» era só para rapazes, mas as proprietárias transgrediam e admitiam raparigas que escondiam num quarto sempre que havia suspeitas de fiscalização ou denúncia.
MdC passou mais tarde ao liceu de Gil Vicente, o que representou um alargamento de horizontes abrangendo a Graça, a Senhora do Monte, Santa Clara, Alfama, Mouraria. As reminiscências dessas correrias até ao Castelo de São Jorge emergem em «Casos do Beco das Sardinheiras» e «O Livro Grande de Tebas, Navio e Mariana».
Na Rua da Graça, o velho e elegantíssimo cinema Royal apresentava sessões duplas, não raro com um complemento de suculentos westerns em magnífico Technicolor. Ao invés dos outros cinemas, as sessões do Royal começavam às 15, 15H, com um quarto de hora de atraso para permitir aos rapazes do liceu, depois de uma correria ofegante, chegar a tempo à sala escura. Antes, numa dessas tardes, um padre levemente enfadado dava umas aulas sonolentas de religião e moral que tiveram a vantagem de trazer ao conhecimento as histórias da Bíblia.
Por essa altura, a frequentação dos cinemas de bairro, Royal, Lys, Rex, Imperial, tinha como limite, para além da zona Almirante Reis/Graça as mesadas e as restrições censórias. A revista de cinema «Plateia» rebrilhava de estrelas e starlettes, laboriosamente maquilhadas, em cores de verniz carregado. Um filme como «Escrito no Vento» de Douglas Sirk era para maiores de 18 anos; «Shane», de George Stevens, era para maiores de doze usava-se toda a espécie de batotas e subterfúgios para iludir a vigilância à entrada.
O regime não se manifestava apenas na repressão das actividades políticas e dos direitos sociais. Existia um fascismo do quotidiano baseado num exercício arrogante de pequenos poderes, nas proibições arbitrárias, na humilhação permanente do outro. A «licença de isqueiro» e a proibição da «mão na mão» são apenas aspectos caricatos de um quotidiano opressivo e cinzento. Em 1959 MdC chegou a ser preso por legionários num calabouço do Castelo de S. Jorge por falar inglês com uma amiga inglesa sem ser «intrépete” (sic) oficial. Outros colegas do liceu passavam humilhações semelhantes por pecadilhos infantis. Era o tempo aviltado das denúncias, da bufaria, da corrupção formigueira, de um Portugal rasteirinho e torpe. Nos próprios liceus o autoritarismo imperava. Nomeava-se para chefes de turma os mais graduados da mocidade portuguesa, uma organização juvenil fardada, militarizada que praticava a ordem unida da tropa, exibia a saudação fascista de braço estendido, e impunha uma bizarra farda de camisa verde e calção amarelo cintado em fecho de lata com o «S» de Salazar. Tudo o que não era proibido era obrigatório. MdC escapou à ordem unida inscrevendo-se na secção de xadrez e passou a ser um entusiasta de Botwinik, Smyslov e razoável praticante da abertura Inglesa e da defesa Karo-Kahn. Não por acaso uma das personagens de «Fantasia para Dois Coronéis e uma Piscina» será jogador de xadrez.
Domingos de Carvalho relacionava-se com escritores do grupo neo-realista que encontrava na livraria Portugal, ao Chiado e num café, também chamado Portugal, da rua Primeiro de Dezembro e levava algumas vezes o filho consigo. Escreveu um livro de poemas, «Joio Sem Trigo» que teve uma boa aceitação. Mas logo o livro foi apreendido pela polícia política. O mesmo viria a acontecer com outros dois livros.
Havia em volta um clima de permanente ameaça. O pai mudava frequentemente de aspecto, talvez com alguma ingenuidade, pois era um comerciante estabelecido e conhecido nos meios da Baixa de Lisboa. Apareciam desconhecidos lá por casa, que às vezes ficavam para dormir e se mostravam pouco expansivos. Mais tarde soube que um dos alojados tinha sido o professor Ruy Luís Gomes, antigo candidato à Presidência da República pela Oposição Democrática.
Na campanha presidencial de 1958, Domingos Carvalho envolveu-se activamente no apoio ao general. Em 1959 seria preso, sujeito à tortura do sono e levado a julgamento no tribunal plenário.
As circunstâncias desta prisão, o lado soturno e deprimente da cadeia do Aljube, o desespero de uma vida que se viu seriamente abalada (mas também a solidariedade arriscada dos amigos) ficaram profundamente marcados na memória de MdC.
Entretanto, MdC tinha entrado no liceu Camões onde foi aluno de Mário Dionísio e colega de turma de João Aguiar e Eduardo Prado Coelho.
Na faculdade de Direito acompanhou a movimentação académica de 1962, tendo feito greve aos exames nesse ano. Participou activamente nos movimentos estudantis, designadamente nas secções culturais e cineclubes universitários. A memória dessas correrias estudantis surge em alguns contos de «O Homem do Turbante Verde», como «A Secção de Campo» e «Bildung».
Após a vaga repressiva de 1965, que levou à prisão centenas de estudantes, faz parte do organismo clandestino encarregado de reorganizar o PCP, em grande parte destruído, na universidade de Lisboa. Depois de licenciado, e durante o serviço militar, é preso pela polícia política e sujeito a onze dias de privação de sono. Essa situação inspirou o argumento do filme de José Barahona Quem é Ricardo? Condenado pelo tribunal político a dois anos de prisão, cumpriu grande parte da pena nas cadeias de Caxias e Peniche.
Quando saiu, em Liberdade condicional, em 1973 avisaram-no que seria reincorporado no exército com guia para o batalhão disciplinar de Penamacor, onde eram agrupados, na altura, os criminosos de delito comum. Decidiu exilar-se e, a muito custo, conseguiu ligação a uma organização clandestina de passagem de fronteira.
Passou a fronteira ilegalmente e acabou por chegar a Paris onde viveu durante algum tempo em casa de amigos, sem documentos, até que encontrasse maneira de viajar para a Suécia onde tinha família.
Depois de a sua mulher e filhas se lhe juntarem, em Lund, ocorre a Revolução de 25 de Abril de 1974. Logo trata de regressar a Portugal.
Após um período de intenso envolvimento na movimentação desses dias, em que teve o privilégio de conhecer, no calor da luta, José Saramago, Urbano Tavares Rodrigues, Maria Velho da Costa, Orlando da Costa e Manuel Gusmão, distancia-se da actividade política e dedica-se a uma advocacia de causas, designadamente sindicais.
No final dos anos setenta liga-se ao grupo «Quatro Elementos Editores», animado por Fernando Guerreiro. Em 1981 publica «Contos da Sétima Esfera», «Casos do Beco das Sardinheiras» e em 1982, «O Livro Grande de Tebas, Navio e «Mariana». Daí por diante, vem publicando com regularidade em vários géneros.
Durante alguns anos, conciliou o exercício da advocacia com a escrita que se estendeu ao teatro, ao cinema e à crónica. Em 1997, por ocasião da atribuição do prémio Pégaso a «Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde» foi-lhe propiciado um périplo pelos Estados Unidos e Canadá, onde participou no Festival de Harborfront. Apesar da sua conhecida renitência a viajar, tem participado, que se lembre, no Salon du Livre de Paris, 2000, Expolangues (1994), Ville Gillet de Lyon, Carrefours de la literature de Bordéus, Edimburgh Book Festival (1998), Feira do Livro de Frankfurt (dois anos), Encontros de Barcelona, Jounées Litteraires de Mondorf , Festival des Migrations des Cultures et de la Citoyenneté do Luxemburgo, Feira do Livro Internacional de Paraty, FLIP, em Parati, Brasil, e outros eventos remotos...
Foi vogal da Associação Portuguesa de Escritores, durante as presidências de David Mourão-Ferreira e Óscar Lopes.
Orientou pós-graduações em escrita de teatro e diversas oficinas de escrita de ficção e foi professor convidado da Escola Superior de Teatro e Cinema e da Escola Superior de Comunicação Social durante vários anos.
Casado com Maria Helena Taborda Duarte, é pai das escritoras Rita Taborda Duarte e Ana Margarida de Carvalho.
Deu-se ao trabalho de escrever este texto, muito resumido e na terceira pessoa para criar maior distância e para que conste, prometendo entrar no pormenor quando tiver ocasião
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